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UNIDADE EM FOCO - UEMG Faculdade de Políticas Públicas | Quem tem medo da terceira idade?
20/06/2017
Projeto Pleno Viver, oferecido pela Faculdade de Políticas Públicas, no Campus BH, oferece curso que equilibra conhecimento e socialização para pessoas com mais de 50 anos
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Relação entre estudantes, professores e coordenação garantem longevidade do projeto |
Seguindo a tendência da maioria das capitais brasileiras, Belo Horizonte é uma capital em envelhecimento. Somente nos últimos 20 anos, o crescimento desse segmento da população por aqui triplicou: de pouco mais de 15 mil, em 1991, para os cerca de 46 mil em 2010.
Os dados do Censo Brasileiro e do Atlas Brasil 2013 apontam essa propensão, que, se por um lado torna evidente o êxito de anos reiterados de investimentos públicos em ações políticas das áreas como saúde, saneamento básico e previdência social, por outro lançam um novo desafio às políticas públicas e também às próprias famílias: como lidar com essa parcela crescente da população, com mais de 60 anos de idade, de forma a lhe conservar a autonomia, independência, dignidade e manutenção da saúde física e mental?
A emersão econômica desse segmento há algum tempo já entrou no radar da iniciativa privada, que trabalha para diversificar cada vez mais os produtos oferecidos a esses consumidores: seguros de vida, empréstimos financeiros e planos de saúde são os mais evidentes, alicerçados basicamente nas supostas necessidades e vulnerabilidades de saúde que normalmente se atribuem às pessoas dessa faixa etária.
Com esse mercado em franca expansão e com a oferta cada vez maior de serviços e produtos, o público se torna também mais exigente, procurando alternativas que, em vez de remediar as questões que venham a surgir, também possam prevenir ou mesmo evitá-las.
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"O curso funciona pelo time de docentes, pelas inovações nas disciplinas que fazemos a cada semestre e também o carinho, o respeito com que nossos alunos são tratados."
Vânia, coordenadora do Pleno Viver |
Nesse contexto, têm se disseminado cursos voltados para a terceira idade, com a proposta de manter a mente e o corpo desse público em atividade, ao mesmo tempo em que facilita a socialização entre pessoas da mesma faixa etária.
Uma dessas iniciativas é oferecida no Campus Belo Horizonte da UEMG. O Centro de Desenvolvimento de Recursos Humanos para a Educação — Cendrhe — está vinculado à Pró-reitoria de Extensão e desde 1999 disponibiliza ao público a partir de 50 anos o Projeto Pleno Viver.
Suas atividades são realizadas no turno da tarde na sede da Faculdade de Políticas Públicas da UEMG, no bairro São Pedro, localizado na Região Centro Sul da capital, de onde provém a maioria do público que utiliza os serviços.
Atualmente são atendidos 142 estudantes, com idade superior a 50 anos, que se matriculam quadrimestralmente nas nove disciplinas correntemente em oferta. São majoritariamente provenientes das classes socioeconômicas A e B, com a quase totalidade do sexo feminino e 96% deles detentores de cursos superiores.
Ali os estudantes podem aprender idiomas, como Inglês, Espanhol, Italiano e Francês; adquirir habilidades em informática e novas tecnologias; conversar sobre cinema ou história da arte, e/ou ainda exercitar-se física, mental e artisticamente em aulas de dança, canto coral, teatro e oficina da memória. A cada encerramento de módulo há uma apresentação artística dos "formandos", que utilizam os conhecimentos em sala de aula e trabalham interdisciplinarmente para formatar suas performances.
"Encerramos o quadrimestre com cerca de 70% das vagas preenchidas. O curso é voltado para pessoas a partir dos 50 anos e já recebemos procura de pessoas na casa dos 40 anos", conta Vânia Aparecida de Jesus, coordenadora do Cendrhe e do Projeto Pleno Viver. "Entretanto, a missão do curso é gerar uma familiaridade, o encontro de pessoas com a mesma idade, que passem pelas mesmas situações, que pertençam à mesma geração. Por isso não abrimos vagas para pessoas fora dessa faixa etária", justifica.
A coordenadora afirma que o bom índice de ocupação ao longo dos últimos anos se deve a diversos fatores. Além de praticar valores abaixo do mercado, por si só um atrativo em período de crise econômica, ela credita o sucesso da iniciativa principalmente ao relacionamento: os estudantes criam laços de amizade entre si, com os professores e com a própria coordenação. “Existem outros cursos na cidade voltados para esse público, às vezes até com mais estrutura, mas o que buscamos como diferencial aqui é em termos de relacionamento, amizade e liberdade. Por exemplo, hoje os alunos quiseram fazer hoje uma festa surpresa para uma professora e tiveram todo o nosso apoio”.
A aniversariante daquele dia foi a professora Michele Ferreira, que leciona há três anos a disciplina Oficina da Memória e é também docente do curso de Artes Visuais da Escola de Design da UEMG. Desvencilhando-se da carinhosa enxurrada de parabéns, abraços, doces e salgados, Michele pôde endossar o sentimento da coordenação do curso e também explicar que as teorias do envelhecimento apontam para o estreitamento natural do círculo afetivo com o passar dos anos e a exclusão tecnológica como fatores decisivos para o alheamento desses indivíduos do convívio social: "o fato de nossos estudantes se sentirem capazes de aprender a lidar com novidades tecnológicas — manusear um smartphone, navegar na internet — faz eles desenvolverem um pertencimento a esta vida moderna e isso se alia de forma poderosa com o convívio social que o curso propicia. É o que os traz de volta, quadrimestre a quadrimestre", avalia.
Vencendo a tristeza e a solidão
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Deyse e Maria Elizabeth se tornaram amigas no Projeto Pleno Viver em 2002
e continuam frequentes nas atividades |
"Quando estava me sentindo muito só, uma conhecida me disse: 'Vou te levar em um lugar para se distrair.' Foi então que conheci o Pleno Viver e desde então não saio daqui". Assim a estudante Maria Elizabeth Viana Omonte comenta o início de seu contato com o Projeto, ainda em 2002.
Uma das estudantes mais presentes do Projeto, ela nasceu em Macapá e radicou-se em Belo Horizonte na década de 1990, para acompanhar o marido anestesista e o estudo dos filhos, também em medicina. Com as trajetórias de vida dos familiares bem definidas, Maria Elizabeth passou a buscar para si atividades que pudessem ocupar seu tempo livre.
Sentimento similar ocorreu também com Deyse Electo Maciel, amiga de Maria Elizabeth e também uma das frequentadoras mais assíduas das aulas: "Conheci o Pleno Viver em uma chamada na televisão, em 2002. Comecei a frequentar e, pouco tempo depois, meu esposo morreu. Fiquei perdida, meio sem norte, e frequentar as atividades foi muito importante pra mim", relata.
A professora Michele Ferreira comenta que esse é um perfil comum entre os estudantes do curso: "temos casos de pessoas com depressão, ou que se separaram tardiamente, num estágio da vida em que se dedicaram quase totalmente à família e à criação dos filhos, e deixam de ter um companheiro em um momento da vida em que já não se têm tantos amigos. Pra onde elas vão? Aqui elas encontram outras pessoas com quem dividir as mesmas questões, que não se compartilham com um filho ou neto. Torna-se também um trabalho terapêutico", afirma.
Embora os estudantes reconheçam o valor das aulas, os momentos de descontração são também valorizados: "o momento do café é um burburinho, um drink dos deuses, porque nas aulas você tem um script e é no café, na festa de aniversário, que é quando elas conversam mais. Algumas saem daqui para ir ao cinema, trocam livros, organizam viagens conjuntas", conta Michele.
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"Sabemos, pelas teorias do envelhecimento, que a modernização do mundo tem sido um fator afastamento e reclusão da população da terceira idade. E quando a Universidade oferece cursos nesses sentido, está proporcionando a esse público a possibilidade de se reinserir nessa comunidade em que ele vive."
Michele, professora do Pleno Viver |
Embora a coordenadora do Pleno Viver afirme existir um certo modismo na abertura de cursos e ações voltados para a terceira idade, muitos dos quais visando exclusivamente retorno financeiro e de imagem, defende ainda assim a atuação da Universidade junto a esse público: "As Universidades precisam cumprir também essa função social, principalmente com a faixa etária infantil e com idosos. Ela não pode se ater somente à juventude, tem que agir nos extremos também, porque essas pessoas têm uma história a ser considerada".
Assim, a vida dos participantes se renova e se transforma: “Costumo dizer que aqui é lugar onde eu brinco. A gente aprende brincando, sem cobranças, sem exigências, no seu próprio ritmo. Além disso, temos a convivência, a amizade, os vínculos, os relacionamentos, as brincadeiras, não somente com os colegas, mas com os professores que têm por nós e nós por eles, muito carinho”, afirma Maria Elizabeth.
A amiga Deyse concorda: “Um projeto como este é muito importante. Ele dá um preenchimento a nossas vidas. Fazemos novas descobertas, reinventa a vida! E traz sempre um aprendizado que mantém os neurônios ativos, funcionando. Com as diversas matérias, é muito gostosa essa convivência”.
"Este é um projeto que deu certo, que está ganhando nome aí fora e é uma questão social na qual a Universidade atua. Tomara que continue existindo nesta e nas próximas gestões, porque é muito bonito, muito gratificante, quando se veem pessoas que chegaram aqui sentindo muita solidão, ou que se separaram, ou ficaram viúvas, e hoje você não acredita na transformação por que elas passaram. Estou chegando 'lá', tomara que tenha alguém para fazer isso por mim também", defende Vânia.
FACULDADE DE POLÍTICAS PÚBLICAS TANCREDO NEVES
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